quarta-feira, maio 17, 2006

Despedida

Despeço-me de ti, as pernas cruzadas sobre o braço do sofá da sala, a música ao fundo, florescida a orquídea, o cão a dormir sem solenidade. A fumaça do cigarro lenta no ar, e nas mãos uma taça de vinho tinto, dos que tu gostas e eu também gosto.

Despeço-me de ti em silêncio . Despeço-me de ti para não ter que me despedir de mim . Uma pessoa não pode viver na dor e na falta a esperar que o tempo volte.

Despeço-me de ti ao som da memória, da visão clara do teu corpo enrodilhado no meu, da visão clara do teu amor colado ao meu. Do teu pranto.
Tantos anos me custaram despedir-me de ti. Tantos anos a conversar contigo sozinha no quarto, a querer beijar-te, a quase ver os teus olhos desejosos a meterem-se nos meus. Memórias.

O amor não é memória. O amor dobra a esquina e temos nosso coração nas mãos. E queremos ofertá-lo a um estranho. Porque por ele o coração saltou-nos do peito. E seus olhos miúdos têm um brilho oculto pela tristeza . E seus gestos diferentes nos atraem, Seu corpo nos chama e o nosso quer atendê-lo. E uma beleza fulge naquele rosto. Nos nossos rostos. E um estranho é sempre um estranho, não és tu, nunca será. Mas a vida usa palavras fora do comum às vezes. E nós, todos nós, queremos amar.

Não é morte, o amor. Nem tempo, nem metafísica, nem psicologias. O amor tem vontade própria, não quer ser explicado. Não vive de reminiscências, elas são apenas a lembrança do que ele um dia foi.

Amor é presente, agora, já. Vida desfraldada , mergulhada no mar, a escalar as encostas das montanhas, a embrenhar-se na selva. O corpo e o que mais pode haver além dele, dedicados a isso. Tu sabes.

Despeço-me de ti ao som de um cello, de séculos atrás, que tu me deste.

Um beijo e adeus.

Silvia Chueire

5 Comments:

Blogger lisa said...

Lindo!
Gostei muito.

Um beijo.

17 maio, 2006 11:56  
Anonymous Anónimo said...

Amor, amor, amor, como não amam
os que de amor o amor de amar não sabem,
como não amam se de amor não pensam
os que de amar o amor de amar não gozam.
Amor, amor, nenhum amor, nenhum
em vez do sempre amar que o gesto prende
o olhar ao corpo que perpassa amante
e não será de amor se outro não for
que novamente passe como amor que é novo.
Não se ama o que se tem nem se deseja
o que não temos nesse amor que amamos,
mas só amamos quando amamos o acto
em que de amor o amor de amar se cumpre.
Amor, amor, nem antes, nem depois,
amor que não possui, amor que não se dá,
amor que dura apenas sem palavras tudo
o que no sexo é o sexo só por si amado.
Amor de amor de amar de amor tranquilamente
o oleoso repetir das carnes que se roçam
até ao instante em que paradas tremem
de ansioso terminar o amor que recomeça.
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amar o amor de amar o amor não amam.

Jorge de Sena

17 maio, 2006 12:49  
Blogger Ima said...

Obrigada...
:)

17 maio, 2006 23:35  
Anonymous Anónimo said...

Existem duas dores de amor:A pr imeira é quando a relação termina e a gente, seguindo amando, tem que se acostumar com a ausência do outro, com a sensação de perda, de rejeição e com a falta de perspectiva, já que ainda estamos tão embrulhados na dor que não conseguimos ver luz no fim do túnel.

A segunda dor é quando começamos a vislumbrar a luz no fim do túnel.

A mais dilacerante é a dor física da falta de beijos e abraços, a dor de virar desimportante para o ser amado. Mas, quando esta dor passa, começamos um outro ritual de despedida: a dor de abandonar o amor que sentíamos. A dor de esvaziar o coração, de remover a saudade, de ficar livre, sem sentimento especial por aquela pessoa. Dói também...

Na verdade, ficamos apegados ao amor tanto quanto à pessoa que o gerou. Muitas pessoas reclamam por não conseguir se desprender de alguém. É que, sem se darem conta, não querem se desprender. Aquele amor, mesmo não retribuído, tornou-se um souvenir, lembrança de uma época bonita que foi vivida... Passou a ser um bem de valor inestimável, é uma sensação à qual a gente se apega. Faz parte de nós.
Queremos, logicamente, voltar a ser alegres e disponíveis, mas para isso é preciso abrir mão de algo que nos foi caro por muito tempo, que de certa maneira entranhou-se na gente, e que só com muito esforço é possível alforriar.

É uma dor mais amena, quase imperceptível. Talvez, por isso, costuma durar mais do que a 'dor-de-cotovelo' propriamente dita. É uma dor que nos confunde. Parece ser aquela mesma dor primeira, mas já é outra. A pessoa que nos deixou já não nos interessa mais, mas interessa o amor que sentíamos por ela, aquele amor que nos justificava como seres humanos, que nos colocava dentro das estatísticas: "Eu amo, logo existo".

Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente... E só então a gente poderá amar, de novo.

Martha Medeiros

18 maio, 2006 19:13  
Anonymous Anónimo said...

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»

13 agosto, 2006 01:38  

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