sábado, novembro 25, 2006

Painel para Rosália de Castro

É um frio tremendo.
A água gela nas torneiras,
a solidão cresce com uma unha, uma sombra

atrai todas as camisas de silêncio, arde,é uma
noite
encerrando os perigos da perdição, os ferros

agudíssimos
do silêncio.

É um frio tremendo.
Perde-se o caminho de casa, a luz extingue-se,
pergunta-se pelo sangue e o sangue não
responde, o sangue
perde-se aos borbotões na vida, não há caminho,
não há
regresso, a sereia canta
no denso nevoeiro, mas não há esperança, a
tempestade
é o único lugar, o único lençol, a voz velocíssima
entregando-nos sem rendição, entregando-nos.

Como uma agulha fecha-nos os lábios,
ata-nos as mãos, como uma agulha de silêncio, feroz,
terrível,
cose-nos
contra as paredes e os olhos saltam, saltam, é um
frio tremendo
onde tudo arde, arde antiquíssimo, flecha no coração, solidão
descendo o braço, descendo devagar,
espraiando-se
na terrível superfície do silêncio.

Amadeu Baptista