sexta-feira, dezembro 29, 2006

Retrato de uma morte...

hoje ouvi morrer uma noite

tu chegavas de tão longe que eu não te podia tocar
como se viesses de um sonho ou de uma mentira
o teu corpo era cruel como o nevoeiro
e onde ardia o amor eu era apenas um corpo

algum dia ouviste morrer uma noite
uma água de mágoa tritura os pulsos
um ruído trespassado desabita o coração

esfinges ocupam o quarto
a lua permanece raios decepados
abraço o teu corpo onde me sobrevivo
e adormeço futuro contra a luz

do amor de tão antes onde te espero
vejo um fantasma abrir um corpo de voz
e sangrar sobre a noite esvaziado

ninguém se levanta dentro do seu próprio coração

Pedro Sena-Lino

quarta-feira, dezembro 06, 2006

para recortar

Já só consigo saber de ti pelos
jornais: os amigos saltam o teu
nome nas conversas e partem
sempre mais cedo se pergunto.
Mas eu não esqueço. Recorto

uma coluna, duas, meia página,
um título que, se não erro, até
vai bem contigo; as cartas que

te escrevem – quase todas de
homens e azedas; alguma coisa
que disseste, entre aspas, e que
é a tua voz a murmurar no meu

ouvido; e também um retrato
que não te faz justiça – e outro,
mais bonito, perdido ao canto
da folha que já nem viro. Sem que

se saiba, colo num caderno só meu
essa vida onde já não me quiseste,
talvez por ser maior, a vida ou eu.

Nem aos amigos conto como te
sigo: haviam de dizer-me que perco
os melhores anos à tua espera para

um dia encontrar o teu nome por
baixo de uma cruz e nada me sobrar
então para recortar, para recordar.

Maria do Rosário Pedreira