sábado, janeiro 20, 2007

Príncipe

Príncipe:

Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir

e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito
tudo era apenas lábios pálpebras
intumescências cobrindo o corpo de flutuantes
volteios de palpitações trémulas adejando
pelo rosto beijava os teus olhos por dentro.
Beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão
sobre o meu pensamento corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada

de apenas poder pensar-te.

São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta
e vens abrir-me.

Ana Hatherly

terça-feira, janeiro 16, 2007

Seria o amor português

Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
- tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa , por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.

Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
"Que me importa que batam à porta..."
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhã
se lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.

Que me importa, agora que me importas,
que batam , se não és tu, á porta?

Fernando Assis Pacheco

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Lembrança de perder tudo


Natalie Shau

o teu rosto transformou-se na noite interminável
que atravessa cada tarde, cada tarde, cada tarde
interminável.

o rio de fumo que levava o teu nome para as
estrelas dentro de dentro de dentro
da minha tristeza.

e o teu rosto era tudo o que tinha. e o teu nome era
tudo o que tinha. tu eras tudo. tudo. e tudo é agora
mais do que tudo.

José Luís Peixoto

domingo, janeiro 07, 2007



A nossa vida? Uma gota de orvalho numa folha de figueira.
Vai cair no chão e não há nada que possa prendê-la.

Casimiro de Brito

sábado, janeiro 06, 2007


Ginger


Oh! alto e baixo em círculos e rectas acima de nós, em redor de nós as
palavras voam. E às vezes pousam.

Cecília Meireles

quinta-feira, janeiro 04, 2007


Velislava Georgieva

uma leve tontura
uma névoa
um aturdimento

o coração parou

e não deste conta que morri


maria josé quintela

quarta-feira, janeiro 03, 2007


Velislava Georgieva

a véspera de cada ausência
é um canteiro de lábios onde apetece morrer

Ester Guedes (Cartografia das Águas)