terça-feira, janeiro 31, 2006


Jördis Koppe

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Só sexo

O prazer que o meu corpo conhece é o que aprendeu no teu, e foi esse que o meu corpo ensinou aos outros homens, aos vários em que tentou enganar a tua ausência (...)

Todas as noites me acaricio com os teus dedos, fecho os olhos e sugo os teus dedos sob o contorno dos meus e conduzo-te pelo meu corpo como tu me conduzias. Todas as noites tu entras em mim por todas as portas, a tua língua silenciosa desperta vertigens desconhecidas nas partes secretas das minhas orelhas e dos meus pés. (…) Todas as noites os teus dentes mordem o meu pescoço no sitio exacto em que o meu corpo guardava a última fechadura, todas as noites volto a subir a esse monte dos vendavais só nosso. Só sexo, seja.

Fechas a porta e começas a beijar-me, primeiros os olhos, depois o lóbulo da orelha, depois o pescoço, enquanto os teus dedos me abrem a camisa e me procuram os seios. Beijamo-nos de olhos abertos, como sempre, e é de olhos abertos que procuro cada uma das novidades do teu corpo.
Entramos um no outro de olhos abertos, como se mergulhássemos num mar de silêncio e fogo escuro.


Inês Pedrosa, Só Sexo

quarta-feira, janeiro 25, 2006


Berto Guy

Desliza-me na pele
o fio incandescente dos teus dedos,
que eu entrarei de frente

pelo sol,
e arderei no sol,

sem medo -

Ana Luisa Amaral

terça-feira, janeiro 24, 2006

Carta de amor



Escribe una carta de amor solamente
que tenga la semilla de un gran suspiro
y después olvídala en la memoria
para que yo la pueda escuchar.
De noche, cuando duermes,
aunque tú no lo sabes, vengo a buscarte:
mi límite frío de sueño
se compagina con el tuyo,
vivimos sobre dos desiertos
que al atardecer se transforman en colinas
y desnudo mis senos en la noche
ansiosa de que tú lo mires.

Alda Merini

sábado, janeiro 21, 2006

Lágrima


Nathalie Shau

Não decidi o que sentir quando
te encontrar por acaso numa qualquer rua interior
fingindo admiração por me veres produzir
a
minha melhor lágrima
(…)

Não

te bastou o meu riso.
Não te chegou perceber que
teria sido feliz.
Tiveste que a ver cair.
Precisaste de te molhar
na
minha melhor lágrima.

João Luís Barreto Guimarães

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Meu Querido

As paixões são as primeiras guerras das mulheres. Precisamos de as ter atravessado na primeira linha, passando todos os riscos, o de perder a nossa honra – não existe verdadeira paixão sem humilhação – e por vezes a nossa vida. “Paixão, conheço-te e odeio-te, vai-te embora”, escrevia Baudelaire, e as raparigas romanas pediam todas as noites aos deuses que as poupassem a essa calamidade. Deveria ter aplicado esse sábio preceito. Mas em vez de imitar os Antigos, caí nos delírios românticos. As recordações das mulheres são os seus feitos de armas. De longe e contadas, parecem-lhe únicas, notáveis.

Como te amei! Como estava radiante! O amor dava-me asas. (…) Depois de saíres, ficava na cama, com a cabeça metida debaixo dos lençóis para encontrar a tua presença. Depois do amor precipitava-me para um espelho, para olhar o meu rosto. Estava tão bonita, tão radiosa então! Amava-me porque me amavas.

Suspeitavas ter sido adorado a esse ponto? Muito, muito tempo, a forma do teu corpo ficou gravado na memória do meu. O desenho das tuas mãos, a textura da tua pele e o seu gosto, o teu rosto durante o amor e as palavras que pronunciavas, tão diferentes, aquela linguagem infantil, aqueles silêncios pesados, aquela violência e tudo o que nos fazia oscilar numa outra dimensão, onde se misturavam sem distinção e na mesma exaltação, inferno e delícias.


Uma manhã, julguei reconhecer a tua silhueta na rua, e meu coração, antes mesmo de eu ter a percepção consciente da tua presença, parou um instante de bater. Porque são certos seres, a este ponto, inesquecíveis? Anos mais tarde, o som de uma voz que lembrava a tua, uma fotografia encontrada por acaso, o teu nome pronunciado por pessoas que não sabem, e a velha dor acorda, a despeito de todos os esforços que eu tenha feito para esquecer…

Marie-Claire Pauwels

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Dejá Vu




... Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.

Alexandre O'Neil

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Espero curarme de ti...

Espero curarme de ti en unos días. Debo dejar
de fumarte, de beberte, de pensarte. Es posible.
Siguiendo las prescripciones de la moral en turno. Me
receto tiempo, abstinencia, soledad.

¿Te parece bien que te quiera nada más una semana?
No es mucho, mi es poco, es bastante. En una
semana se pueden reunir todas las palabras de amor
que se han pronunciado sobre la tierra y se les
puede prender fuego. Te voy a calentar con esa
hoguera del amor quemado. Y también el silencio.
Porque las mejores palabras del amor están entre dos
gentes que no se dicen nada.

Jaime Sabines

sábado, janeiro 14, 2006















Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Miguel Torga

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Los amorosos


Jan Saudek

Los amorosos callan.
El amor es el silencio más fino,
el más tembloroso, el más insoportable.
Los amorosos buscan,
los amorosos son los que abandonan,
son los que cambian, los que olvidan.
Su corazón les dice que nunca han de encontrar,
no encuentran, buscan.

Los amorosos andan como locos
porque están solos, solos, solos,
entregándose, dándose a cada rato,
llorando porque no salvan al amor.
Les preocupa el amor. Los amorosos
viven al día, no pueden hacer más, no saben.
Siempre se están yendo,
siempre, hacia alguna parte.
Esperan,
no esperan nada, pero esperan.
Saben que nunca han de encontrar.
El amor es la prórroga perpetua,
siempre el paso siguiente, el otro, el otro.
Los amorosos son los insaciables,
los que siempre —¡qué bueno!— han de estar solos.

Jaime Sabines

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Canção

...
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Cecília Meireles

segunda-feira, janeiro 09, 2006












escrevo-te
pelo corpo sinto um arrepio uma vertigem
que me enche o coração de ausência pavor e saudade
teu rosto é semelhante à noite
a espantosa noite de teu rosto!
----
corri para o telefone mas não me lembrava do teu número
queria apenas ouvir a tua voz
contar-te o sonho que tive ontem e me aterrorizou
queria dizer-te porque parto
porque amo
ouvir-te perguntar quem fala ?
e faltar-me a coragem para responder e desligar
depois caminhei como uma fera enfurecida pela casa
a noite tornou-se patética sem ti
não tinha sentido pensar em ti e não sair a correr para a rua
procurar-te imediatamente
correr a cidade duma ponta a outra
só para te dizer boa noite ou talvez tocar-te
e morrer

al berto

domingo, janeiro 08, 2006

a noite ergue-se mais além

silencio a boca e a noite ergue-se
mais além
cruzados espinhos lareiras acesas
crepitam furiosas empresas inacabadas

sempre mais além levitam as noites
a memória enaltece-te em imagens difusas

somos peritos em adiar

Fernando Dinis

quinta-feira, janeiro 05, 2006













Oh! Como vai ser bom!
Mesmo que tu não venhas nem existas,
Hei-de ir contigo passear ao campo.

António Gedeão

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Coisas de Partir

Tento empurrar-te de cima do poema
para não o estragar na emoção de ti:
olhos semi-cerrados, em precauções de tempo
a sonhá-lo de longe, todo livre sem ti.

Dele ausento os teus olhos, sorriso, boca, olhar:
tudo coisas de ti, mas coisas de partir...
E o meu alarme nasce: e se morreste aí,
no meio do chão sem texto que é ausente de ti?

E se já não respiras? Se eu não te vejo mais
por te querer empurrar, lírica de emoção?
E o meu pânico cresce: se tu não estiveres lá?
E se tu não estiveres onde o poema está?

Faço eroticamente respiração contigo:
primeiro um advérbio, depois um adjectivo,
depois um verso todo em emoção e juras.
E termino contigo em cima do poema,
presente indicativo, artigos às escuras.

Ana Luisa Amaral

Nenhum Nome Depois

que me serviu ir correr mundo,
arrastar, de cidade em cidade, um amor
que pesava mais do que mil malas; mostrar
a mil homens o teu nome escrito em mil
alfabetos e uma estampa do teu rosto
que eu julgava feliz? De que me serviu

recusar esses mil homens, e os outros mil
que fizeram de tudo para eu parar, mil
vezes me penteando as pregas do vestido
cansado de viagens, ou dizendo o seu nome
tão bonito em mil línguas que eu nunca
entenderia? Porque era apenas atrás de ti

que eu corri o mundo, era com a tua voz
nos meus ouvidos que eu arrastava o fardo
do amor de cidade em cidade, o teu nome
nos meus lábios de cidade em cidade, o teu
rosto nos meus olhos durante toda a viagem,

mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.

Maria do Rosário Pedreira

terça-feira, janeiro 03, 2006

O silêncio


thomas kreyn

calei-me
para te escutar
e
aprender a falar


falei-te
para me escutares
e
aprendi a calar-me
...

daniel


segunda-feira, janeiro 02, 2006

Malabarismos - 2












posso estender-me como uma sombra
ou tocar-te se luz forte fosse

posso também passar sem ti

e não saber o que seja

Fernando Dinis