(...) Podemos agora feridos que estamos ambos de morte quais cavaleiros de outros tempos abraçarmo-nos adormecer e morrer juntos numa só respiração Antes no entanto direi as palavras: não para as atirar contra o precipício da vida apenas um memorial breve da criação nada mais Digo então agora que o fim se aproxima andorinha e faz-se azul de Primavera Digo adeus e todas as despedidas se alinham no horizonte que se fecha
vens de repente com a voracidade de um pássaro nocturno que não chamei e a porta fecha-se sobre as minhas ancas e a noite bebe o hálito que largas na minha pele enquanto os espelhos escondem o rasto de todos os segredos que guardavas
por momentos o amor desenha-se desta única maneira mas eu sei que és apenas um inquilino temporário habitando o meu corpo as horas que roubaste em ondas de culpa e sombra
e sei também que hás-de sair de mim como de um povo inimigo procurando um gesto de perdão que não existe e o amor torna-se subitamente num lugar incómodo tenho pressa dirás tenho pressa e a noite fecha-se do lado dos dedos que procuram ainda o lugar do sono
fica comigo peço mas tu não me ouves e eu sei que vou voltar a esperar por ti na vida que me resta e em todas as vidas e em todas as mortes até ao dia em que difinitivamente despeças o teu corpo do meu e eu repita fica comigo e tu desapareças
Venho rendida, Já não apaixonada, amor, A paixão com a persistência Deixou de queimar, Como a dor com a persistência Se deixa de sentir. Agora venho rendida e calma, Igual e mansa, Sem marés vivas Nem dias de levante, Sou uma esperança constante, Uma constante desesperada, Só, sempre sozinha Pelos mornos areais alaranjados Onde ondas poentes Se quebram em alvura. Só, sempre pensando em ti, Tentando não pensar, Descer ao profundo do mar, Revolver em mim o universo Novo infinitamente; Mas tu vens mais forte que o mar, Mais forte do que eu, E em vão tento convencer-me Que não és, Que não passas de abstracto desejo, Sentimento incompleto, Sem poder condensar-se.
Si me dicen que estás al otro lado De un puente, por estraño que parezca Que estes al otro lado y que ne esperes, Yo cruzaré ese puente. Dime cuál es el puente que separa tu vida de la mía, en qué hora negra, en qué ciudad lluviosa, en qué mundo sin luz está ese puente y yo lo cruzaré.
Já viajámos de ilhas em ilhas já mordemos fruta ao relento repartindo esperanças e mágoas por tudo o que é vento
Já ansiámos corpos ausentes como um rio anseia pela foz já fizemos tanto e tão pouco que há-de ser de nós?
Que há-de ser do mais longo beijo que nos fez trocar de morada dissipar-se-á como tudo em nada? Que há-de ser, só nós o sabemos pondo o fogo e a chuva na voz repartindo ao vento pedaços que hão-de ser de nós Já avivámos brasas molhadas no caudal da lágrima vã e flutuando, a lua nos trouxe à luz da manhã Reencontrámos lágrimas e riso demos tempo ao tempo veloz já fizemos tanto e tão pouco que há-de ser de nós Que há-de ser da mais longa carta que se abriu, peito alvoroçado devolver-se-á: «endereço errado?» Já enchemos praças e ruas já invocámos dias mais justos e as estátuas foram de carne e de vidro os bustos Já cantámos tantos presságios pondo o fogo e a chuva na voz já fizemos tanto e tão pouco que há-de ser de nós? Que há-de ser da longa batalha que nos fez partir à aventura que será que foi quanto é quanto dura Que há-de ser, só nós o sabemos pondo o fogo e a chuva na voz repartindo ao vento pedaços que hão-de ser de nós
quanto tempo, antes que a luz do dia, breve, abandone os nossos corpos ou a noite deixe de ser estas horas benevolentes nas quais nos perdemos? quanto tempo até que a hesitação mostre a face da sua insignificância frente às horas, e o dia se mostre surpreendemente curto para os gestos de amor? quanto tempo ainda se passará neste jogo de espelhos para que percebas o outro, e o tomes nos lábios? quanto tempo até que não haja mais tempo? silvia chueire, por favor um blues
Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio, I
É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas. Voz e vento apenas Das coisas do lá fora
E sozinha supor Que se estivesses dentro
Essa voz importante e esse vento Das ramagens de fora
Eu jamais ouviria. Atento Meu ouvido escutaria O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio. Porque é melhor sonhar tua rudeza E sorver reconquista a cada noite Pensando: amanhã sim, virá. E o tempo de amanhã será riqueza: A cada noite, eu Ariana, preparando Aroma e corpo. E o verso a cada noite Se fazendo de tua sábia ausência.
Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre, pois, não sendo mais, nem querendo ser mais, que um espectador de mim mesmo, tenho que ter o melhor espectáculo que posso. Assim me construo a ouro e sedas, em salas supostas, palco falso, cenário antigo, sonho criado entre jogos de luzes brandas e músicas invisíveis.
é querer ter os fins de tarde solarengos. é querer ter o que traz o vento que bate ao de leve na cara. é querer ser ocalor do afago no pescoço. é querer ser pedra de calçada pisada por passos de bailarina. é querer morder a maçã mais vermelha do pomar. é querer ser nota de música - afinadíssima! é querer poder cheirar a almofada. é querer deitar cedo. é querer enroscar dedos mindinhos. é querer poder correr de olhos fechados. é querer nadar no mar às escuras. é querer ser a maçã mais vermelha do pomar. é querer ser ombro nu. é querer ser o sol dos finais de tarde. é querer ser um silêncio abafador de ruído. é querer ser passos de bailarina. é querer ser almofada. é querer ter arma. é querer ser bala. é querer ser sono. é querer ser o vento que bate na cara. é querer ser rua apertada. é querer esconder debaixo da cama certos passados pequeninos. é querer ser fome. é querer ser o bolo de aniversário. é querer ser o pescoço afagado. é querer ser aperto de mão. é querer ser dedo mindinho. é querer dormir às quatro e meia. é querer dar pontapés no tempo e marcar golo. é querer ser um nome. é querer ter um nome. é querer gritar um nome.
De repente ninguém sabe onde estás, o teu fato negro como algas, o teu rosto barbudo escorregadio como foca. Alguém olha pelas crianças. Avanço até à fímbria da água, agarrando-me à toalha como um véu de viúva sobre mim.
Nenhum dos nadadores condiz. Muito baixos, corpulentos, de barba feita, erguem-se da ressaca, a água escorrendo-lhes pelos ombros.
As rochas despontam junto à costa como cabeças. A barrilha espalha-se como um fato negro esfarrapado e não te consigo encontrar.
O meu estômago começa a contrair-se como que para vomitar água salgada.
quando subindo a areia ao meu encontro vem um homem que se parece muito contigo, a sua barba eriçada como as ervas da praia, o seu fato negro como uma concha húmida contra o seu corpo.
Aproximando-se, afinal ele és tu - ou quase. Quando se perde alguém nunca é exactamente a mesma pessoa que regressa.
Atravessei contigo a minuciosa tarde deste-me a tua mão, a vida parecia difícil de estabelecer acima do muro alto folhas tremiam ao invisível peso mais forte. Podia morrer por uma só dessas coisas que trazemos sem que possam ser ditas: astros cruzam-se numa velocidade que apavora inamovíveis glaciares por fim se deslocam e na única forma que tem de acompanhar-te o meu coração bate.
Não posso Não é possível Digam-lhe que é totalmente impossível Agora não pode ser É impossível Não posso. Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro.
Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo. Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso reconquistar a vida Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os caminhos Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso. Ponderem-lhe, com cuidado – não a magoem... – que se não vou Não é porque não queira: ela sabe; é porque há um herói num cárcere Há um lavrador que foi agredido, há um poça de sangue numa praça. Contem-lhe, bem em segredo, que eu devo estar prestes, que meus Ombros não se devem curvar, que meus olhos não se devem Deixar intimidar, que eu levo nas costas a desgraça dos homens E não é o momento de parar agora; digam-lhe, no entanto Que sofro muito, mas não posso mostrar meu sofrimento Aos homens perplexos; digam-lhe que me foi dada A terrível participação, e que possivelmente Deverei enganar, fingir, falar com palavras alheias Porque sei que há, longínqua, a claridade de uma aurora. Se ela não compreender, oh procurem convencê-la Desse invencível dever que é o meu; mas digam-lhe Que, no fundo, tudo o que estou dando é dela, e que me Dói ter de despojá-la assim, neste poema; que por outro lado Não devo usá-la em seu mistério: a hora é de esclarecimento Nem debruçar-me sobre mim quando a meu lado Há fome e mentira; e um pranto de criança sozinha numa estrada Junto a um cadáver de mãe: digam-lhe que há Um náufrago no meio do oceano, um tirano no poder, um homem Arrependido; digam-lhe que há uma casa vazia Com um relógio batendo horas; digam-lhe que há um grande Aumento de abismos na terra, há súplicas, há vociferações Há fantasmas que me visitam de noite E que me cumpre receber, contem a ela da minha certeza No amanhã Que sinto um sorriso no rosto invisível da noite Vivo em tensão ante a expectativa do milagre; por isso Peçam-lhe que tenha paciência, que não me chame agora Com a sua voz de sombra; que não me faça sentir covarde De ter de abandoná-la neste instante, em sua imensurável Solidão, peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale Por um momento, que não me chame Porque não posso ir Não posso ir Não posso.
Mas não a traí. Em meu coração Vive a sua imagem pertencida, e nada direi que possa Envergonhá-la. A minha ausência. É também um sortilégio Do seu amor por mim. Vivo do desejo de revê-Ia Num mundo em paz. Minha paixão de homem Resta comigo; minha solidão resta comigo; minha Loucura resta comigo. Talvez eu deva Morrer sem vê-Ia mais, sem sentir mais O gosto de suas lágrimas, olhá-la correr Livre e nua nas praias e nos céus E nas ruas da minha insônia. Digam-lhe que é esse O meu martírio; que às vezes Pesa-me sobre a cabeça o tampo da eternidade e as poderosas Forças da tragédia abastecem-se sobre mim, e me impelem para a treva Mas que eu devo resistir, que é preciso... Mas que a amo com toda a pureza da minha passada adolescência Com toda a violência das antigas horas de contemplação extática Num amor cheio de renúncia. Oh, peçam a ela Que me perdoe, ao seu triste e inconstante amigo A quem foi dado se perder de amor pelo seu semelhante A quem foi dado se perder de amor por uma pequena casa Por um jardim de frente, por uma menininha de vermelho A quem foi dado se perder de amor pelo direito De todos terem um pequena casa, um jardim de frente E uma menininha de vermelho; e se perdendo Ser-lhe doce perder-se... Por isso convençam a ela, expliquem-lhe que é terrível Peçam-lhe de joelhos que não me esqueça, que me ame Que me espere, porque sou seu, apenas seu; mas que agora É mais forte do que eu, não posso ir Não é possível Me é totalmente impossível Não pode ser não É impossível Não posso.
Da carta que não chegou às tuas mãos, ficou um passado memorável. Nela constavam os pequenos episódios que vivemos juntos. Rasguei-a junto ao rio, fiquei a olhar os pedaços de papel serem absorvidos pelas águas turvas. A tentativa de apagar finalmente o nosso passado. Dirias que não havia necessidade, dirias que o que vivêramos não valia assim tanto, nem mesmo três folhas escritas com o coração nas mãos, a arder. Eu sorriria diante de ti como alguém que morresse. Despiria as roupas e lançar-me-ia na corrente fria. Tentaria recuperar o que conseguisse, pedaço a pedaço, até afogar-me de vez.
Só existem duas razões para mexer numa ferida. Curá-la, ou abri-la ainda mais.
... Ajuda-me a esquecer-te, que não estou de todo preparada para te amar até ao fim dos meus dias, que grande chatice me foste arranjar, agora, resolve-a, faz qualquer coisa, ajuda-me a esquecer-te. um amor atrevido, aqui
Nunca deixes de me escrever como se o tempo das palavras fosse o dos regressos confirmado na existência e docilidade das pedras Nunca deixes de me sentir
Era de noite quando eu bati à tua porta e na escuridão da tua casa tu vieste abrir e não me conheceste. Era de noite são mil e umas as noites em que bato à tua porta e tu vens abrir e não me reconheces porque eu jamais bato à tua porta. Contudo quando eu bati à tua porta e tu vieste abrir os teus olhos de repente viram-me pela primeira vez como sempre de cada vez é a primeira a derradeira instância do momento de eu surgir e tu veres-me. Era de noite quando eu bati à tua porta e tu vieste abrir e viste-me como um náufrago sussurrando qualquer coisa que ninguém compreendeu. Mas era de noite e por isso tu soubeste que era eu e vieste abrir-te na escuridão da tua casa. Ah era de noite e de súbito tudo era apenas lábios pálpebras intumescências cobrindo o corpo de flutuantes volteios de palpitações trémulas adejando pelo rosto beijava os teus olhos por dentro. Beijava os teus olhos pensados beijava-te pensando e estendia a mão sobre o meu pensamento corria para ti minha praia jamais alcançada impossibilidade desejada de apenas poder pensar-te.
São mil e umas as noites em que não bato à tua porta e vens abrir-me.
Muitas vezes te esperei, perdi a conta, longas manhãs te esperei tremendo no patamar dos olhos. Que me importa que batam à porta, façam chegar jornais, ou cartas, de amizade um pouco - tanto pó sobre os móveis tua ausência. Se não és tu, que me pode importar? Alguém bate, insiste através da madeira, que me importa que batam à porta, a solidão é uma espinha insidiosamente alojada na garganta. Um pássaro morto no jardim com neve. Nada me importa; mas tu enfim me importas. Importa , por exemplo, no sedoso cabelo poisar estes lábios aflitos. Por exemplo: destruir o silêncio. Abrir certas eclusas, chover em certos campos. Importa saber da importância que há na simplicidade final do amor. Comunicar esse amor. Fertilizá-lo. "Que me importa que batam à porta..." Sair de trás da própria porta, buscar no amor a reconciliação com o mundo. Longas manhãs te esperei, perdi a conta. Ainda bem que esperei longas manhã se lhes perdi a conta, pois é como se no dia em que eu abrir a porta do teu amor tudo seja novo, um homem uma mulher juntos pelas formosas inexplicáveis circunstâncias da vida. Que me importa, agora que me importas, que batam , se não és tu, á porta? Fernando Assis Pacheco
tu chegavas de tão longe que eu não te podia tocar como se viesses de um sonho ou de uma mentira o teu corpo era cruel como o nevoeiro e onde ardia o amor eu era apenas um corpo
algum dia ouviste morrer uma noite uma água de mágoa tritura os pulsos um ruído trespassado desabita o coração
esfinges ocupam o quarto a lua permanece raios decepados abraço o teu corpo onde me sobrevivo e adormeço futuro contra a luz
do amor de tão antes onde te espero vejo um fantasma abrir um corpo de voz e sangrar sobre a noite esvaziado