Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim. Carlos Drummond de Andrade
O prazer que o meu corpo conhece é o que aprendeu no teu, e foi esse que o meu corpo ensinou aos outros homens, aos vários em que tentou enganar a tua ausência (...) Todas as noites me acaricio com os teus dedos, fecho os olhos e sugo os teus dedos sob o contorno dos meus e conduzo-te pelo meu corpo como tu me conduzias. Todas as noites tu entras em mim por todas as portas, a tua língua silenciosa desperta vertigens desconhecidas nas partes secretas das minhas orelhas e dos meus pés. (…) Todas as noites os teus dentes mordem o meu pescoço no sitio exacto em que o meu corpo guardava a última fechadura, todas as noites volto a subir a esse monte dos vendavais só nosso. Só sexo, seja.
Fechas a porta e começas a beijar-me, primeiros os olhos, depois o lóbulo da orelha, depois o pescoço, enquanto os teus dedos me abrem a camisa e me procuram os seios. Beijamo-nos de olhos abertos, como sempre, e é de olhos abertos que procuro cada uma das novidades do teu corpo. Entramos um no outro de olhos abertos, como se mergulhássemos num mar de silêncio e fogo escuro. Inês Pedrosa, Só Sexo
Escribe una carta de amor solamente que tenga la semilla de un gran suspiro y después olvídala en la memoria para que yo la pueda escuchar. De noche, cuando duermes, aunque tú no lo sabes, vengo a buscarte: mi límite frío de sueño se compagina con el tuyo, vivimos sobre dos desiertos que al atardecer se transforman en colinas y desnudo mis senos en la noche ansiosa de que tú lo mires.
Nathalie Shau Não decidi o que sentir quando te encontrar por acaso numa qualquer rua interior fingindo admiração por me veres produzir a minha melhor lágrima (…)
Não te bastou o meu riso. Não te chegou perceber que teria sido feliz. Tiveste que a ver cair. Precisaste de te molhar na minha melhor lágrima. João Luís Barreto Guimarães
As paixões são as primeiras guerras das mulheres. Precisamos de as ter atravessado na primeira linha, passando todos os riscos, o de perder a nossa honra – não existe verdadeira paixão sem humilhação – e por vezes a nossa vida. “Paixão, conheço-te e odeio-te, vai-te embora”, escrevia Baudelaire, e as raparigas romanas pediam todas as noites aos deuses que as poupassem a essa calamidade. Deveria ter aplicado esse sábio preceito. Mas em vez de imitar os Antigos, caí nos delírios românticos. As recordações das mulheres são os seus feitos de armas. De longe e contadas, parecem-lhe únicas, notáveis.
Como te amei! Como estava radiante! O amor dava-me asas. (…) Depois de saíres, ficava na cama, com a cabeça metida debaixo dos lençóis para encontrar a tua presença. Depois do amor precipitava-me para um espelho, para olhar o meu rosto. Estava tão bonita, tão radiosa então! Amava-me porque me amavas. Suspeitavas ter sido adorado a esse ponto? Muito, muito tempo, a forma do teu corpo ficou gravado na memória do meu. O desenho das tuas mãos, a textura da tua pele e o seu gosto, o teu rosto durante o amor e as palavras que pronunciavas, tão diferentes, aquela linguagem infantil, aqueles silêncios pesados, aquela violência e tudo o que nos fazia oscilar numa outra dimensão, onde se misturavam sem distinção e na mesma exaltação, inferno e delícias.
Uma manhã, julguei reconhecer a tua silhueta na rua, e meu coração, antes mesmo de eu ter a percepção consciente da tua presença, parou um instante de bater. Porque são certos seres, a este ponto, inesquecíveis? Anos mais tarde, o som de uma voz que lembrava a tua, uma fotografia encontrada por acaso, o teu nome pronunciado por pessoas que não sabem, e a velha dor acorda, a despeito de todos os esforços que eu tenha feito para esquecer…
... Nesta curva tão terna e lancinante que vai ser que já é o teu desaparecimento digo-te adeus e como um adolescente tropeço de ternura por ti. Alexandre O'Neil
Espero curarme de ti en unos días. Debo dejar de fumarte, de beberte, de pensarte. Es posible. Siguiendo las prescripciones de la moral en turno. Me receto tiempo, abstinencia, soledad.
¿Te parece bien que te quiera nada más una semana? No es mucho, mi es poco, es bastante. En una semana se pueden reunir todas las palabras de amor que se han pronunciado sobre la tierra y se les puede prender fuego. Te voy a calentar con esa hoguera del amor quemado. Y también el silencio. Porque las mejores palabras del amor están entre dos gentes que no se dicen nada. Jaime Sabines
Agora que o silêncio é um mar sem ondas, E que nele posso navegar sem rumo, Não respondas Às urgentes perguntas Que te fiz. Deixa-me ser feliz Assim, Já tão longe de ti como de mim.
Los amorosos callan. El amor es el silencio más fino, el más tembloroso, el más insoportable. Los amorosos buscan, los amorosos son los que abandonan, son los que cambian, los que olvidan. Su corazón les dice que nunca han de encontrar, no encuentran, buscan. Los amorosos andan como locos porque están solos, solos, solos, entregándose, dándose a cada rato, llorando porque no salvan al amor. Les preocupa el amor. Los amorosos viven al día, no pueden hacer más, no saben. Siempre se están yendo, siempre, hacia alguna parte. Esperan, no esperan nada, pero esperan. Saben que nunca han de encontrar. El amor es la prórroga perpetua, siempre el paso siguiente, el otro, el otro. Los amorosos son los insaciables, los que siempre —¡qué bueno!— han de estar solos. Jaime Sabines
escrevo-te pelo corpo sinto um arrepio uma vertigem que me enche o coração de ausência pavor e saudade teu rosto é semelhante à noite a espantosa noite de teu rosto! ---- corri para o telefone mas não me lembrava do teu número queria apenas ouvir a tua voz contar-te o sonho que tive ontem e me aterrorizou queria dizer-te porque parto porque amo ouvir-te perguntar quem fala ? e faltar-me a coragem para responder e desligar depois caminhei como uma fera enfurecida pela casa a noite tornou-se patética sem ti não tinha sentido pensar em ti e não sair a correr para a rua procurar-te imediatamente correr a cidade duma ponta a outra só para te dizer boa noite ou talvez tocar-te e morrer al berto
silencio a boca e a noite ergue-se mais além cruzados espinhos lareiras acesas crepitam furiosas empresas inacabadas sempre mais além levitam as noites a memória enaltece-te em imagens difusas somos peritos em adiar
Tento empurrar-te de cima do poema para não o estragar na emoção de ti: olhos semi-cerrados, em precauções de tempo a sonhá-lo de longe, todo livre sem ti. Dele ausento os teus olhos, sorriso, boca, olhar: tudo coisas de ti, mas coisas de partir... E o meu alarme nasce: e se morreste aí, no meio do chão sem texto que é ausente de ti? E se já não respiras? Se eu não te vejo mais por te querer empurrar, lírica de emoção? E o meu pânico cresce: se tu não estiveres lá? E se tu não estiveres onde o poema está? Faço eroticamente respiração contigo: primeiro um advérbio, depois um adjectivo, depois um verso todo em emoção e juras. E termino contigo em cima do poema, presente indicativo, artigos às escuras. Ana Luisa Amaral
que me serviu ir correr mundo, arrastar, de cidade em cidade, um amor que pesava mais do que mil malas; mostrar a mil homens o teu nome escrito em mil alfabetos e uma estampa do teu rosto que eu julgava feliz? De que me serviu recusar esses mil homens, e os outros mil que fizeram de tudo para eu parar, mil vezes me penteando as pregas do vestido cansado de viagens, ou dizendo o seu nome tão bonito em mil línguas que eu nunca entenderia? Porque era apenas atrás de ti que eu corri o mundo, era com a tua voz nos meus ouvidos que eu arrastava o fardo do amor de cidade em cidade, o teu nome nos meus lábios de cidade em cidade, o teu rosto nos meus olhos durante toda a viagem, mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.