quarta-feira, novembro 29, 2006
sábado, novembro 25, 2006
Painel para Rosália de Castro
É um frio tremendo.
A água gela nas torneiras,
a solidão cresce com uma unha, uma sombra
atrai todas as camisas de silêncio, arde,é uma
noite
encerrando os perigos da perdição, os ferros
agudíssimos
do silêncio.
É um frio tremendo.
Perde-se o caminho de casa, a luz extingue-se,
pergunta-se pelo sangue e o sangue não
responde, o sangue
perde-se aos borbotões na vida, não há caminho,
não há
regresso, a sereia canta
no denso nevoeiro, mas não há esperança, a
tempestade
é o único lugar, o único lençol, a voz velocíssima
entregando-nos sem rendição, entregando-nos.
Como uma agulha fecha-nos os lábios,
ata-nos as mãos, como uma agulha de silêncio, feroz,
terrível,
cose-nos
contra as paredes e os olhos saltam, saltam, é um
frio tremendo
onde tudo arde, arde antiquíssimo, flecha no coração, solidão
descendo o braço, descendo devagar,
espraiando-se
na terrível superfície do silêncio.
Amadeu Baptista
A água gela nas torneiras,
a solidão cresce com uma unha, uma sombra
atrai todas as camisas de silêncio, arde,é uma
noite
encerrando os perigos da perdição, os ferros
agudíssimos
do silêncio.
É um frio tremendo.
Perde-se o caminho de casa, a luz extingue-se,
pergunta-se pelo sangue e o sangue não
responde, o sangue
perde-se aos borbotões na vida, não há caminho,
não há
regresso, a sereia canta
no denso nevoeiro, mas não há esperança, a
tempestade
é o único lugar, o único lençol, a voz velocíssima
entregando-nos sem rendição, entregando-nos.
Como uma agulha fecha-nos os lábios,
ata-nos as mãos, como uma agulha de silêncio, feroz,
terrível,
cose-nos
contra as paredes e os olhos saltam, saltam, é um
frio tremendo
onde tudo arde, arde antiquíssimo, flecha no coração, solidão
descendo o braço, descendo devagar,
espraiando-se
na terrível superfície do silêncio.
Amadeu Baptista
domingo, novembro 19, 2006
Permanência
Duro decir:
Te amo,
mira cuánto tiempo, distancia y pretensión
he puesto ante el horror de esa palabra,
esa palabra como serpiente
que viene sin hacer ruido, ronda
y se niega una, dos, tres, cuatro, muchas veces,
ahuyentándola como un mal pensamiento,
una debilidad,
un desliz,
algo que no podemos permitirnos
ese temblor primario
que nos acerca al principio del mundo,
al lenguaje elemental del roce o el contacto,
la oscuridad de la caverna,
el hombre y la mujer
lamiéndose el espanto del estruendo
Reconocer
ante el espejo,la huella
la ausencia de cuerpos entrelazados hablándose.
Sentir que hay
un amor feliz
enjaulado a punta de razones,
condenado a morir de inanición,
sin darse a nadie más
obseso de un rostro inevitable.
Pasar por dias
de levantar la mano,
formar el gesto del reencuentro y arrepentirse.
No poder con el miedo,
la cobardía,
el temor al sonido de la voz.
Huir como ciervo asustado del propio corazón,
vociferando un nombre en el silencio
y hacer ruido,
llenarse de otras voces,
sólo para seguirnos desgarrando
y aumentar el espanto
de haber perdido el cielo para siempre.
Gioconda Belli
Te amo,
mira cuánto tiempo, distancia y pretensión
he puesto ante el horror de esa palabra,
esa palabra como serpiente
que viene sin hacer ruido, ronda
y se niega una, dos, tres, cuatro, muchas veces,
ahuyentándola como un mal pensamiento,
una debilidad,
un desliz,
algo que no podemos permitirnos
ese temblor primario
que nos acerca al principio del mundo,
al lenguaje elemental del roce o el contacto,
la oscuridad de la caverna,
el hombre y la mujer
lamiéndose el espanto del estruendo
Reconocer
ante el espejo,la huella
la ausencia de cuerpos entrelazados hablándose.
Sentir que hay
un amor feliz
enjaulado a punta de razones,
condenado a morir de inanición,
sin darse a nadie más
obseso de un rostro inevitable.
Pasar por dias
de levantar la mano,
formar el gesto del reencuentro y arrepentirse.
No poder con el miedo,
la cobardía,
el temor al sonido de la voz.
Huir como ciervo asustado del propio corazón,
vociferando un nombre en el silencio
y hacer ruido,
llenarse de otras voces,
sólo para seguirnos desgarrando
y aumentar el espanto
de haber perdido el cielo para siempre.
Gioconda Belli
quarta-feira, novembro 15, 2006
Analogias
Não sei se esta viagem me pertence
mas guardo este último tempo
na convicção do nada
na incerteza do talvez
nas analogias de um destino
que não alimenta mágoas
mas apaga as cicatrizes...
António Sem
mas guardo este último tempo
na convicção do nada
na incerteza do talvez
nas analogias de um destino
que não alimenta mágoas
mas apaga as cicatrizes...
António Sem
domingo, novembro 12, 2006
Jack Acrey
Um dia talvez faça sentido a tua fuga urgente
e fria
pela calada do silêncio.
Só então perdoarei o tempo
pela dor de não te ter tido
nem ter sabido de cor.
Podias ter sido um barco
a navegar no mesmo ritmo das ondas,
mas não. Quiseste ser vento contrário...
Mas tudo tem duas faces.
A tristeza é só a outra face da alegria
tal como a morte é só a outra face da vida.
Este amor tem duas faces:nós...
e nós somos apenas tu e eu,
o desencontro na volta lenta da vida
o reencontro além do tempo.
Logo chegará o dia
em que o teu espaço será o meu espaço
e o teu tempo será o meu tempo
e jamais haverá sinais a apontar destinos
proibidos.
Seremos apenas nós,
com a certeza de um amor sobrevivente
na memória longínqua do olhar.
E será pelo olhar que nos reconheceremos...
Hoje eu sei que não vou morrer por não te ter,
porque um dia
atravessarei o portão desconhecido
e, ainda que tu não saibas,
levar-te-ei comigo...
e se não posso ter-te aqui,
ter-te-ei além
onde os barcos navegam sem vento...
ainda que não te tenha nunca...
Maria José Quintela
domingo, novembro 05, 2006
Destino
Nas feiras antigas, onde os homens passeiam
entre restos de comida e bancos partidos,
há uma boca que espera para
te ler a sina. Sentar-te-ás num tronco
de oliveira seca, estenderás a mão,
e ouvirás desfiar o teu futuro,
como se já o tivesses vivido. E
antes de pagar, podes ainda saber
que não precisas de sair de onde
estás, que o céu que fica sobre ti
conhece os passos que poderás dar,
e de nada te servirá tomar uma
outra direcção. Tudo está previsto:
menos o instante em que a leitora
do teu destino tirou o lenço que lhe
escondia o rosto, e os seus cabelos
se espalharam pela tua vida, mudando
para sempre o que acabaste de saber.
Nuno Júdice
quinta-feira, novembro 02, 2006
A espessura da perda...
queria morrer contigo
não queria morrer de ti
prendi o amor nos meus braços
mas uma chuva de areia negra
cospe o meu sangue onde o coração
queria morrer contigo
contra o corpo limite do dia
arder praias onde o tempo acabava
começar Deus onde era o fim
não queria morrer de ti
a noite toda tem a espessura da perda
a boca beija o batimento da terra
o medo abraça-me
e ainda é tão tarde para que morramos os dois
Pedro Sena-Lino
não queria morrer de ti
prendi o amor nos meus braços
mas uma chuva de areia negra
cospe o meu sangue onde o coração
queria morrer contigo
contra o corpo limite do dia
arder praias onde o tempo acabava
começar Deus onde era o fim
não queria morrer de ti
a noite toda tem a espessura da perda
a boca beija o batimento da terra
o medo abraça-me
e ainda é tão tarde para que morramos os dois
Pedro Sena-Lino